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domingo, 15 de abril de 2012

O que é etnocentrismo? (Parte II)


  • Primeiros movimentos

Aqui se inicia a busca dos modelos explicativos da diferença. Muita violência, espanto e perplexidade iriam regular as relações entre povos, sociedades e culturas tão impressionantemente diferentes a ponto de uma negar, frequentemente, à outra própria natureza humana.
O século XVI constituiu-se em uma das arenas principais destes encontros, entre a sociedade do "eu" e a sociedade do "outro". Ninguém entendia nada, num certo sentido, mas ali esboçava-se algo que seria um contraste: as formas pelas quais as diferenças foram pensadas. Foi nesse momento que a Antropologia Social ou Cultural se relevou.
O primeiro destes pensamentos, ocorridos na Antropologia e que procuraram explicar a diferença, é conhecido como Evolucionismo. Este, foi um marco fundamental para os estudos que procuravam fazer da Antropologia uma ciência. Assim, a diferença que se ligava em espanto e perplexidade (nos séculos XV e XVI), encontra uma nova explicação (no século XVIII e XIX): o outro é diferente porque possui diferente grau de evolução. Evolução equivale a desenvolvimento; é a transformação progressiva no sentido da realização completa de algo oculto; é o desenvolvimento obrigatório de uma determinada unidade que se revela, pelo processo evolutivo, uma segunda forma, mostrando, então, sua potencialidade; sucessividade.
O evolucionismo biológico - ideia de evolução com o crescimento e a formação dos organismos, tem no livro A Origem das Espécies, de Darwin, na metade do século XIX - e o evolucionismo social se encontram e o segundo passa a ser o novo modelo explicador da diferença entre o "eu" e o "outro". Resultando na permanência do etnocentrismo agora traduzido na sociedade do "eu" como o estágio mais adiantado e a sociedade do "outro" como o estágio mais atrasado, porém nessa lógica o grupo do "outro" passa a ser considerado "ser humano" só está no nível inferior. Para o evolucionismo antropológico a noção de progresso torna-se fundamental, pois é no seu rumo que a história do homem se faz. Acredita-se na unidade básica da espécie humana e o fator tempo passa a ser importante. Progresso, evolução, avanço no tempo; o homem a caminho. A direção é a de um estágio superior de civilização. Uma geração de antropólogos - da Inglaterra, Sir James George Frazer e Sir Edward Burnett Taylor e dos Estados Unidos, Lewis Morgan - começaram a produzir seus estudos sobre a origem e eles procuraram escalonar as etapas de evolução das sociedades que encontravam pelo mundo. A lógica do raciocínio é simples: transformar sociedades contemporâneas em retratos do passado, ou seja, uma sociedade parava no estádio "primitivo" e a outra avançava para um estádio "civilizado".
Porém, restava ainda um problema teórico. A escolha e a definição dos critérios pelos quais seria possível medir o "estádio do avanço" de cada uma das sociedades existentes. Era necessário um instrumento comparativo tipo um "medidor" de progresso. Como por exemplo, se compararmos Brasil, Estados Unidos e Uruguai e o "medidor" for "futebol", teríamos o Brasil como o mais "civilizado", Uruguai como intermediário e os Estados Unidos como o mais "primitivo". Então, faz-se necessário a criação de algo que fizesse as vezes de critério, tendo aceitação, lógica e possibilidade para o estudo comparativo. O conceito adotado pelos evolucionistas foi a cultura. Porém, cultura é todo um complexo que inclui conhecimento, crença, arte, moral, leis, costumes e etc. Sabemos que esses tópicos são relativos, mas para os evolucionistas, essas ideias eram nítidas e claras. Retiradas dos seus contextos eles a absolutizavam e assumiam como se as ideias de sua própria sociedade fossem não apenas universais como as melhores e mais bem acabadas. Requeriam uma unidade entre as culturas como se todas tivessem de dar conta de problemas idênticos e que, mais cedo ou mais tarde, os "primitivos" chegariam às formas "civilizadas".
A mudança na sociedade se daria pela invenção, consequência do aperfeiçoamento do espírito científico. Isto faz com que os evolucionistas pudessem pensar o "selvagem" sem conhecê-lo de perto, pois ele era visto como uma fase passada de mim mesmo. Como por exemplo, eu sei a reação das crianças porque eu fui criança um dia. Ou seja, é uma questão de sentar e meditar: Se eu fosse um primitivo...como faria isto ou aquilo? De fato, a sua teoria dispensava qualquer contato com o "outro". A relativização não tinha espaço.
Dessa maneira, temos dois marcos básicos. No extremo inferior os povos "primitivos" e no extremo superior os povos ditos "civilizados".
A contribuição de um dos antropólogos mais famosos da época - Lewis Morgan - foi exatamente calcular as sociedades segundo seu grau de evolução. Para Morgan, a "acumulação do saber" e o progresso das "faculdades mentais e morais dos homens" vão marcando as mudanças de estádios no caminho da evolução.
Dessa forma, aqui no evolucionismo, encontramos ainda, fortemente ligada, a visão etnocêntrica. Porém, apesar de ter o "outro" como "primitivo", como "atrasado", ele é considerado da "natureza humana" da qual eu participo e isso já apresenta alguma diferença. Aqui fica um dilema interessante: dois sistemas de ideias - o "espanto do século XVI e o "evolucionismo" do século XIX - são igualmente inadequados, pois ambos são etnocêntricos na sua maneira de ver o "outro". Entretanto, entre si, apresentam diferenças e, me parece que nesse sentido, o evolucionismo, por se propor a "pensar" o "outro" e discuti-lo como sócio do clube da humanidade, traz em si alguma semente de relativização.

Referências
ROCHA, Everardo. O que é etnocentrismo. São Paulo: Brasiliense, 1984. (Coleção primeiros passos)

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